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Enseada dos Pensamentos

Imagem: vetor/all-free-download.com

O senhor dos caranguejos

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Por Gleidson Melo

Da lama ao prato. Assim, na ótica do catador, resumia-se a vida do caranguejo. Madrugada, quase manhãzinha e lá se foi o homem em busca do alimento. Insólito, espreitou e aguardou por mais um dia de sucesso.

* * *

A caçada ao caranguejo não parecia fácil, mas o homem insistiu, buscou, cansou e trouxe a refeição da família. Todos os dias, ele imaginava uma vida melhor, que, ao menos, pudesse garantir um futuro próspero e digno para a esposa e os filhos. Eles viviam numa casa pequena às margens do rio. Com dignidade, educação e respeito ao próximo, podiam tocar a vida em frente.

Certo dia, parti rumo às palafitas da maré do Recife, e conheci o seu Ziraldo, o Senhor dos Caranguejos, assim era conhecido por todos do bairro. Inicialmente, fui muito bem recebido e a chegada em sua moradia construída às margens do rio Capibaribe se tornou agradável, pois sua modesta família me recebeu muito bem.

– Olá, boa tarde, quase boa noite! Meu nome é Olavo. Sou jornalista e por causa da dedicação do seu Ziraldo com os caranguejos, cheguei até aqui para conhecê-lo melhor e escrever um pouco sobre a vida dos catadores de caranguejos da região. Sei que, por causa das construções de moradias e de vias de acesso de trânsito, os caranguejos andam sumindo dos mangues.

– O prazer é todo nosso em receber o senhor na nossa humilde casa – confirmou dona Bernadete, esposa de Ziraldo.

– Entre e sente-se. Fique à vontade e não repare a bagunça. Os meninos são bem desorganizados e deixam sujeira por toda parte. O senhor aceita um café.

– Sim, aceito. Muito obrigado.

– Aguarde um instante, irei passar no pano.

Sufocado na lama, seu Ziraldo acreditava que tudo podia mudar para melhor. Com o pensamento de prosperidade, os dois filhos, Hamilton e Cleiton, frequentavam, desde cedo, a escola municipal, perto da moradia do casal. As idades dos meninos giravam em torno de dez e doze anos.

Felizes e com espírito de meninice, os garotos brincavam e corriam por entre as tábuas que ligavam uma moradia a outra. Eram verdadeiras ruas, onde o menor vacilo poderia custar um belo banho de maré.

Muito curioso, fiz umas perguntei ao seu Ziraldo.

– O senhor pode explicar como são esses tais caranguejos?

O homem respondeu sem pestanejar.

– São maravilhosos bichos de olhos esquisitos, que mais parecem antenas. As suas patas são em formato de pinças e servem para pegar o alimento, enquanto o corpo possui uma carcaça dura e resistente. Quando sentem a presença da gente, ficam escondidos nos buracos sombrios e cheios de lama do mangue.

– Então, seu Ziraldo, no mangue, a vida acontece. A vegetação se mistura à água da maré.

– Verdade, no mangue tem muita vida, meu jovem rapaz.

– Isso mesmo, senhor Ziraldo, as raízes são verdadeiros respiradouros que absorvem o ar puro da natureza, enquanto as sementes flutuam na água. Tudo para garantir a reprodução dos peixes e das aves que chegam naquele lugar.

A conversa com o Senhor dos Caranguejos se estendia, e a noite se tornava cada vez mais curta. Dizem que tempo é ouro e, realmente, não dava para se jogar conversa fora.

A esposa não ligava muito para as travessuras dos filhos, talvez isso se devesse ao fato de ter sido criada naquele meio de becos interessantes. Dava para perceber um ar de harmonia e tranquilidade no rosto castigado pelo sol.

Dona Bernadete apelava para que os garotos parassem com as brincadeiras, para dormir e descansarem da deliciosa jornada de criança.

– Meninos, entrem, amanhã tem aula.

– Rapidinho, mamãe, espera mais um pouco – respondeu Cleiton.

O menino aparentava ser o filho mais velho.

Em seguida, tomaram banho e foram para as suas camas, num cubículo apertado da casa.

Continuei a dar explicações sobre o assunto dos caranguejos e do mangue.

– Seu Ziraldo, os manguezais se estendem do norte ao sul do país, tudo numa paisagem de beleza espetacular. Desenhado no litoral brasileiro, é o principal local de parada de muitas aves, peixes e de outros animais marinhos que dependem dele para sobreviverem. Seu Ziraldo, o senhor sabia que a poluição e a construção desordenada de casas, condomínios e hotéis são as principais causas de destruição e do desaparecimento de muitos manguezais no Brasil?

– Não sabia disso, apenas posso dizer que os bichos têm sumido e cada vez mais está difícil de encontrá-los na lama do manguezal, respondeu o Senhor dos Caranguejos.

– Verdade, seu Ziraldo, cada vez mais áreas são utilizadas para construções, até mesmo de vias públicas.

– Cuidarei melhor dos caranguejos e somente os catarei para o próprio sustento e da família – completou seu Ziraldo.

– Muito obrigado, seu Ziraldo!

Palafitas flutuam às margens das águas, onde o Senhor dos Caranguejos repousa em paz. Contudo, diante de tantos impactos ambientais negativos, morreram os caranguejos, e a vida do homem segue escapando por um fio. Da lama do mangue, o homem sobrevive e retira o sustento da família.

No dia seguinte, confiante e com os braços enterrados na lama, seu Ziraldo capturou mais um caranguejo, dos poucos que ainda restavam naquele local.

Livros

Referência

MELO, G. A. P. O senhor dos caranguejos. In: FREITAS, J. R. (Org.). FREITAS, J. R., et. al. Coletânea Literária 2020: Contos, Crônicas e Poemas. 1. ed. Olinda: Editora Café com Literatura, 2021. v. 1.

Como citar esta página:

MELO, G. A. P. Enseada dos Pensamentos, Campo Grande, 1 de novembro de 2021. Disponível em: https://enseadadospensamentos.com.br/o-senhor-dos-caranguejos. Acesso em: dd. mm. aaaa.