Alzheimer
Por Gleidson Melo
Logo a emoção tomou conta à sombra do flamboiã. Ao chegar próximo a um casal, pude conferir um diálogo que me comoveu e sensibilizou. Tratava-se de uma bela história de amor entre o seu Jerônimo e dona Aparecida, um casal que vivia no abrigo.
– Uma vaga lembrança do que passou.
– Será que aconteceu mesmo?
Momentos inesquecíveis, perdidos no tempo, outrora vividos, momentos esquecidos.
– Tenho a certeza de que foram maravilhosos.
– Não sei como aconteceram.
– Qual mesmo o seu nome e de onde eu lhe conheço?
– Você me parece familiar.
– Tenho muito amor no coração, sou a sua companhia das horas incertas e de todo o sempre. A pessoa que lhe conheceu há cinquenta e sete anos.
– Dentre tantos, você era o rapaz mais belo de todos os seus amigos.
– Lembra?
– Sim, mas é claro que lembro, faz muito tempo.
– Nos meus pensamentos, tenho apenas a imagem de uma pessoa muito especial e sincera.
– Alguém que me acompanhou por caminhos inesquecíveis e repletos de facilidades.
– Compartilhamos maravilhas e tristezas.
– Mas, ela se foi como poeira ao vento.
– Quem é você mesmo?
– Sou o seu amor, a sua paixão desmedida.
– A mãe dos seus filhos.
– Sim, sim, sim!
– Agora lembro!
– De que é mesmo que estamos falando?
– Do nosso amor, dos nossos instantes preciosos.
– Eu sei, daquela que se foi e me deixou aos prantos.
– Certamente, já não lembro mais dos detalhes, mas foi muito difícil ter que suportar a decepção.
– Era uma mulher inesquecível. Jamais terei um alguém tão especial ao meu lado.
– Senhora, sabia que um dia eu contemplava as ondas do mar?
– As espumas na areia e o sabor nos lábios me refrescavam a memória e trouxeram muitas recordações.
– Caminhávamos sempre juntos ao entardecer, e o pôr-do-sol nos presenteava com o céu alaranjado.
– Recordo de muitas coisas, mas não lembro muito bem de você.
– Quem é você mesmo?
– Eu sou a sua amiga, companheira de todas as horas, o seu amor, aquela que jamais abandonou você.
– Hum, agora sei quem você é.
– Em seus braços contava as estrelas e como foi o meu dia.
– Não diga mais nada, apenas me ame como da última vez, pois posso não mais lembrar do que passou.
– É tudo tão confuso, e o tempo parece parar.
– Num estalar de dedos, esqueço e não recordo de mais nada, noutro, vem à tona a mais bela lembrança.
– Estarei contigo, não se preocupe.
– Até mesmo nos momentos em que não souber definitivamente quem eu sou?
– Estarei ao teu lado e amarei você pra sempre.
– Eu amo você, meu querido!
– Senhora, me trate com carinho e desse jeito você será uma pessoa especial.