Balões canudo
Por Gleidson Melo
Um lar de idosos é um cantinho especial. Um lugar para refletir, compartilhar solidariedade e histórias de vida. Pude perceber isso quando fui a uma das atividades de voluntariado no Lar Prosperidade, no Recife. O local era cercado por pássaros e árvores. A mais bela era o flamboiã, robusta por excelência, fornecia sombra necessária às tardes insólitas de domingo. Lembranças da Aurora. Vez por outra, os grupos de voluntariados traziam dignidade e conforto aos mais carentes de afeto, e à espera de uma simples palavra de conforto.
A conversa corria solta naquele espaço de integração e de solidão. Sim, solidão, enquanto não despontava o final de semana ou um feriado especial. De tudo se fazia para se alegrar: das cantigas animadoras, ao som do violão, às rodadas das mais diversas histórias de vida. Em uma das visitas, trouxeram uma atividade que consistia em transformar balões compridos em formatos que pudessem representar animais que vivem livres na natureza e outros bichos domésticos. A expectativa era para que a atividade fosse de total imersão e entretecesse os idosos.
Seu Bernardino seguia fiel nas instruções. O homem, que aparentava oitenta anos, despertou a atenção da equipe, porque permanecia sisudo e fechado em seu mundo. Depois de algum tempo, percebi que se tratava de uma pessoa que havia perdido a visão; talvez fosse pela idade ou falta de um tratamento que lhe devolvesse a luz e as cores da vida.
À medida que estava concentrado, atendia aos comandos do instrutor para a montagem dos “bichos”. A destreza, ao manusear os balões canudos, era de se admirar. Mesmo diante da limitação, orientado por palavras, conseguiu fazer uma bela arte.
Seu Bernardino tivera uma vida difícil, típica de cortadores de cana de sua época. Ainda quando tinha suas habilidades motoras a todo vapor, trabalhava na zona canavieira, próxima do litoral pernambucano. Com muita dificuldade, pôde criar os cinco filhos, que, de certa forma, não tiveram o destino do pai. Cada um seguiu uma profissão que lhe garantiu êxito. Sebastião, Sônia e Marilda concluíram os estudos básicos, conquistaram sucesso nos negócios e formaram suas famílias. Sebastião e Marilda tinham uma vida mais tranquila e abastada, porque tocavam seus próprios negócios no comércio de bairro.
Durante o tempo que criava os filhos, seu Bernardino contava com a ajuda da esposa, dona Laura, uma mulher sertaneja e de fibra. À luz do dia, quando o esposo trabalhava no canavial, ela revezava o tempo entre cuidar dos filhos e manter uma atividade paralela de lavadeira e passadeira de roupas. Ainda muito cedo, sofreu um mal súbito que lhe custou a vida.
As coisas, que já não estavam fáceis para a família, se tornaram ainda mais difíceis. Sônia e Marilda, já adolescentes, assumiram as obrigações do lar.
Quando os filhos apareciam no lar de idosos, seu Bernardino se alegrava com a simplicidade da vida.
Na situação de senil, em muitas famílias, os filhos e outros parentes próximos não se importam com os idosos, que, de alguma forma, por falta de atenção e cuidados, acabam abandonados, à custa de que a vida seria muito complicada para cuidar de um parente que necessita de atenção e mais cuidados.